sexta-feira, 8 de julho de 2011

IGC e outras questões.

Em 2008 escrevi um texto inédito, isto é, não publicado. Será que continua atual? O que vocês acham?
Mais uma demonstração do Ministério da Educação (MEC) da alta capacidade de promover o ranking das Instituições de Ensino Superior (IES) no país, pode ser acompanhada, hoje, 09 de setembro de 2008, em sua página principal[1]. Nela, pode-se encontrar a proposta do Índice Geral dos Cursos de Graduação (IGC) construído, segundo o ministério, com base na média ponderada das notas de cada instituição. Ora, sabe-se que a média, embora possua grande apreço dos adeptos da massificação, da quantidade em detrimento da qualidade, é muito utilizada por aí. A média é uma medida enganosa: é altamente influenciada pelos valores. Vale dizer, se digo que a média dos salários de 3 (três) amigos é de, por exemplo, R$ 2.763,33 o leitor é levado a pensar: puxa! Ocorre que medidas de tendência central tendem ao meio do conjunto, altamente influenciada pelos valores; no nosso exemplo, os salários dos amigos são de R$ 470,00, R$ 520,00 e R$ 7.000,00. Pode-se, facilmente, constatar a equivocada exclamação.
Um olhar panorâmico sobre os resultados (gráfico abaixo) do IGC revela que 77% (setenta e sete) dos Centros Universitários do país alcançaram índice equivalente a 3 (três); isso corresponde a 103 (cento e três) IES de um total de 134 (cento e trinta e quatro). Revela ainda, que não houve IES com qualidade o suficiente para alcançar a nota máxima – N5; em segundo lugar, correspondendo a 12% (doze) do universo, temos as instituições com nota 2, o que corresponde a 16 (dezesseis) IES. Note-se a enorme distância que há entre a grande massa das IES com nota 3 e aquelas acima (9%) ou abaixo disso (12%). O que sinaliza tal indicador à luz desses resultados? No mínimo, que a educação superior no país é esmagadoramente medíocre, não havendo nenhuma, inclusive, cujas atividades estejam a contento do MEC.
Gráfico 1 - IGC: Centros Universitários: Brasil: 2008
Fonte: MEC/Inep (2008)
A presente análise estaria comprometida, caso não apreciasse o olhar do MEC para as suas próprias instituições[2]. De fato, a análise foi mais agradável (Gráfico abaixo). Das 176 (cento e setenta e seis) universidades da pesquisa, 3% (três) obtiveram nota 5, o que corresponde a 6 (seis) IES (bem, pelo menos é melhor do que nenhuma); o número de universidades com nota 4 foi bem mais generoso: 47 (quarenta e sete). De toda forma, a grande maioria das IES encontra-se na nota 3 (tal qual o caso dos Centros Universitários): 63% (sessenta e três), correspondendo a 111 (cento e onze) instituições.
Gráfico 2 - IGC: Universidades: Brasil: 2008
Fonte: MEC/Inep (2008)
Mas, afinal, do que se trata tal índice? Recheado de mistérios, o presente-surpresa do MEC às IES apresenta-se como um número capaz de sintetizar “num único indicador a qualidade de todos os cursos de graduação, mestrado e doutorado, e a sociedade poderá escolher melhor os cursos e as instituições” (MEC, 2008). A finalidade desse número é, conforme se evidencia, colocar para a sociedade o ranking das IES do país, conforme afirmou-se anteriormente. O problema reside ainda, em se desvendar o número mágico que possui o seguinte percurso:
São utilizados no cálculo do indicador a média dos Conceitos Preliminares de Curso (CPCs) da instituição – componente relativo à graduação – e o conceito fixado pela Capes para a pós-graduação. A média dos conceitos dos cursos é ponderada, de acordo com o número de matrículas dos alunos entre os diferentes níveis de ensino (graduação, mestrado e doutorado) (MEC, 2008).
Desvendar o mistério requer uma investigação mais aprofundada sobre o cálculo do CPC. Segundo o MEC[3], o cálculo do Conceito Preliminar de Curso foi concebido para ser um indicador prévio de qualidade dos cursos de graduação:
Esse indicador combina o desempenho obtido pelos estudantes no Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) com os resultados do Indicador de Diferença de Desempenho (IDD) e com as informações de infra-estrutura e instalações físicas, recursos didático-pedagógicos e corpo docente oferecidas pelo curso de uma determinada Instituição de Ensino Superior.
O cálculo do CPC é um número obtido a partir de uma equação, na qual constam o Indicador de Diferença de Desempenho do curso (IDD[4]), as características de infra-estrutura e instalações físicas oferecidas pelo curso, os recursos didático-pedagógicos oferecidos pelo curso e as características do corpo docente vinculado ao curso (MEC, 2008, p. 2). Instalações físicas e recursos pedagógicos são informados, para compor o cálculo, pelos alunos ao responderem o questionário socioeconômico quando da realização do Enade. Segundo o MEC (2008, p. 2), “essas informações do aluno em relação aos aspectos pedagógicos e físicos oferecidos pelo curso se apresentam como boas fontes de informação acerca da qualidade e do efeito do curso sobre o aprendizado e a formação dos estudantes.” Recentemente, em sala de aula, tive uma experiência que contradiz essa “boa fonte de informação”:
Um estudante afirmou, durante minha aula, que no primeiro encontro eu não havia apresentado o Plano de Ensino que ele gostaria de conhecer. Diante do silêncio da turma, insisti para que o mesmo abrisse seu caderno a fim de conferir tal informação. Após uma certa resistência, qual não foi a sua surpresa (e a dos demais estudantes) ao constatar que o Plano de Ensino não apenas fora apresentado, como também debatido por todos no primeiro dia de aula.
Desculpas aceitas, chamei a atenção da turma para o fato de que uma afirmação como essa traria resultado ruim para a IES quando da resposta do questionário socioeconomico[5] no Enade. É essa a fonte de informação privilegiada do MEC? Penso haver um sério problema metodológico aqui: as fontes de informações, quando não confiáveis relegam a segundo plano a verdade, optando-se pela percurso metodológico, capaz, segundo essa visão, de assegurar o resultado que se quer. Uma anedota comum sobre tal preferência, contam, diz respeito a uma cidade na qual 50% (cinqüenta por cento) dos odontólogos haviam contraído certa doença grave. Preocupado com o quadro o Ministério da Saúde enviou equipe para o local a fim de analisar o quadro. Lá chegando constataram que, de fato, dos dois odontólogos, um havia adoecido. Onde está a verdade? Na anedota, o problema está na generalização indevida; no caso do MEC, na fonte de informação. Francamente, o estudante que se lembrar de todos os planos de ensino de seu curso de graduação está de parabéns, mas aquele que lembrar se todos eles possuíam “todos os seguintes aspectos: objetivos, procedimentos de ensino e de avaliação, conteúdos e bibliografia da disciplina” merece ser premiado.
A elegante elaboração do IDD[6] é narcisista o bastante para não enxergar além de seus próprios cálculos: relaciona infra-estrutura física, aspectos pedagógicos, titulação docente (privilegiando, naturalmente, o doutorado) e regime de trabalho docente. Grande parte deve-se à interpretação, ao olhar único e irreverente do estudante – sujeito em formação. A infra-estrutura, por exemplo, com cálculos não menos elegantes, relaciona aquilo que é ofertado pelo curso com o que é ofertado por outros cursos, em dada região. Aqui, no Distrito Federal, por falar em infra-estrutura, um determinado setor político, sabedor da preocupação da população local com as crescentes invasões de áreas públicas por trabalhadores de baixa-renda, sobretudo em períodos de eleição, providenciou um kit invasão, no qual, mesmo sem recursos financeiros o invasor teria direito a alguma madeira, pregos, fios etc., tudo o que fosse necessário para pôr a cabo a invasão. Fico pensando se com o tempo não teremos o kit farmácia, infra-estrutura própria para quem deseja montar um curso de graduação em farmácia. E por se tratar de um sistema capitalista, naturalmente, teremos os kit para conceito 5, cujos custos afastarão os investidores de menor porte, assim como aqueles kit conceito 3, para investidores medianos, mas que não terão problemas com a avaliação do MEC.
A padronização é retrógrada, freia a poiésis, a capacidade criadora humana. Há qualidade em aulas debaixo de árvore, como falta dela em ambientes de última geração high-tech, contrariando a idéia de que “a padronização é importante porque coloca as medidas de insumos observadas dos cursos de diferentes áreas em uma mesma escala, facilitando a interpretação dos resultados [...]” (MEC, 2008, p. 4). Ela não facilita a interpretação, ao contrário, subsume-se à metodologia.
Definidos os insumos, o próximo passo em busca do Conceito Preliminar de Curso (CPC) consiste em medir tais insumos, padronizando-se seus resultados por meio de uma Tabela construída por algum iluminado da educação[7]. Pronto. Partindo-se dos pesos de cada insumo (infra-estrutura física, aspectos pedagógicos, titulação docente e regime de trabalho docente) relacionados ao IDD construiu-se o CPC: uma equação que relaciona nota no Enade, nota do IDD e nota dos insumos. Agora, já bem perto do fim de nossa jornada, basta atribuir um peso a cada variável (0,40; 0,30 e 0,30, respectivamente).
Finalizando, o conceito Enade, o conceito IDD e o Censo da Educação Superior apresentam-se como variáveis a serem equacionadas cujo resultado final apresenta à sociedade o melhor e o pior curso. Por sorte, a julgar pelos primeiros resultados, somos quase todos medíocres.


[1] BRASIL. MEC. Índice qualificará cursos superiores. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=11213>. Acesso em: 09 set. 2008.
[2] Ainda que os Centros de Educação Profissional pertençam à gestão do MEC, um olhar sobre a universidade pode ser bastante revelador, já que, via de regra, é o locus privilegiado da construção de conhecimentos.
[3] BRASIL. MEC. Cálculo do Conceito Preliminar de Cursos de Graduação: Nota Técnica. Disponível em: <http://enade.inep.gov.br/enadeResultado/pdfs/Procedimentos_Metodologicos_Calculo.pdf>. Acesso em: 08 set. 2008.
[4] O IDD “é uma estimativa de ‘valor adicionado’, ou seja, de quanto o curso contribuiu para o desenvolvimento das habilidades acadêmicas, das competências profissionais e do conhecimento específico do aluno, levando-se em consideração o perfil do estudante que ingressa no curso” (MEC, 2008, p. 1). O IDD relaciona a qualidade com os insumos oferecidos, com o propósito de medir e conhecer quais são aqueles que melhor explicam a variação do IDD entre os cursos.
[5] Exemplos como esse se multiplicam pelas salas de aula do país afora.
[6] Mínimos Quadrados Ordinários.
[7] “Para a definição dos pesos, o modelo acima foi estimado a partir dos resultados do Enade e IDD dos anos de 2004, 2005 e 2006 (primeiro ciclo de avaliação) e do Cadastro de Docentes do Ensino Superior do ano-base de 2006.” (MEC, 2008, p. 4).

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