Filosofia

Abaixo, segue um pensamento recorrente acerca dos paradigmas que regem a epistemologia, ao menos, no que se refere às preocupações no campo da educação. Introduzo o assunto para, a seguir, definir paradigma, bem como apresentar os paradigmas da investigação científica no campo social. Depois, faço uma aplicação. Boa leitura!


Introdução


Cada sociedade possui seu estilo; e este estilo se reflete em sua concepção de Conhecimento. Por isso, há boas razões para pensarmos que a Ciência, apesar do valor de seus métodos e do interesse social de seus resultados, ainda se encontra muito longe de fornecer-nos um quadro completo e definitivo da Realidade.
(THUILLIER apud JAPIASSU, 1991, p. 11).

O início de toda reflexão sobre procedimentos de investigação da realidade – a chamada pesquisa – não deve prescindir de uma reflexão epistemológica[1], sob pena de cair no vazio mecanicismo do “fazer ciência”. Nesse sentido, esse estudo não incorrerá nesse erro ao mostrar ao leitor a dificuldade que há para se definir o que é efetivamente científico, recorrendo, para tanto, aos ensinamentos da história.
Mas não na condição de historiador das ciências. O historiador e o epistemólogo apresentam diferenças:
[...] a diferença entre o historiador das ciências e o epistemólogo consiste em que o primeiro toma as idéias como fatos, ao passo que o segundo toma os fatos como idéias, inserindo-os num contexto de pensamentos. Em outras palavras, o primeiro procede das origens para o presente, de sorte que a ciência atual já está sempre anunciada no passado, ao passo que o segundo precede do presente para o passado, de sorte que somente uma parte daquilo que ontem era considerado como ciência pode hoje ser fundado e justificado cientificamente (JAPIASSU, 1992, p. 33).
Mas na condição de epistemólogo, se assim nos for possível, é que vamos refletir sobre o processo de construção da realidade por meio dos procedimentos de investigação científica.

Nosso ponto de partida (démarche)

Antes do “fazer ciência” situamo-nos na história da construção do conhecimento. Invocamos, pois, o conceito de paradigma, cuja formulação se deve a Thomas Kuhn,
[...] com a escolha do termo [paradigma] pretendo sugerir que alguns exemplos aceitos na prática científica real – exemplos que incluem, ao mesmo tempo, lei, teoria, aplicação e instrumentação – proporcionam modelos dos quais brotam as tradições coerentes e específicas da pesquisa científica (KUHN, 2003, p. 30).
Um paradigma é determinado, segundo ainda Kuhn (2003, p. 30), quando resulta das realizações que partilham duas características: a primeira característica se refere aos trabalhos pioneiros[2] que serviram de sustentação para os trabalhos posteriores e, ao mesmo tempo, suas realizações são suficientemente abertas para resolver toda a espécie de problemas – segunda característica.
A partir desse conceito é que se pode falar em um paradigma dominante, que advoga para si um “método científico” supostamente independente da comunidade que o construiu. Na verdade, a ciência é uma construção social e esse paradigma dominante tem suas bases no século XVI com Copérnico, Galileu e Newton de tal forma consolidado que “[...] hoje, duzentos anos volvidos, somos todos protagonistas e produtos dessa nova ordem, testemunhos vivos das transformações que ela produziu” (SANTOS, 2003, p. 17).
A racionalidade científica emergida no século XVI foi desenvolvida nos séculos seguintes sob o domínio das ciências naturais. Essa racionalidade[3]
sendo um modelo global [...] é também um modelo totalitário, na medida em que nega o caráter racional a todas as formas de conhecimento que se não pautarem pelos seus princípios epistemológicos e pelas suas regras metodológicas (SANTOS, 2003, p. 21).
A ciência moderna – como é conhecida essa racionalidade científica – rompe com o saber aristotélico e medieval e apresenta características sem as quais o conhecimento não pertence à esfera da ciência.

O Paradigma Dominante


Desviado o esforço para se conhecer o ser (filosofia contemplativa) e, agora, orientado para a dominação da natureza[4], com o renascimento científico o conhecer passou a se vincular à descoberta de leis que permitissem a compreensão do universo:
[...] essa nova ciência – a ciência moderna – surgiu com o surgimento do capitalismo e a ascensão da burguesia e de tudo o que está associado a esse fato: o renascimento do comércio e o crescimento das cidades, as grandes navegações, a exploração colonial, o absolutismo, as alterações por que passou o sistema produtivo, a divisão do trabalho (com o surgimento do trabalho parcelar), a destruição da visão de mundo própria do feudalismo, a preocupação com o desenvolvimento técnico, a Reforma, a Contra-Reforma (ANDERY, 1988, p. 173-174 apud CORTELLA, 2000, p. 96).
Assinalemos, nesse percurso, um eixo central em torno do qual o paradigma dominante do fazer ciência irá gravitar: o racionalismo e o empirismo. A concepção racionalista (dos gregos até final do século XVII) e a empirista (da medicina grega e Aristóteles até o final do século XIX), ambas, embora por caminhos diferentes[5], consideravam que “a teoria científica era uma explicação e uma representação verdadeira da própria realidade, tal como esta é em si mesma. A ciência era uma espécie de raio X da realidade” (CHAUÍ, 1995, p. 252).
Cada corrente, naturalmente, apresenta seus expoentes. Descartes (1596-1650), Spinoza (1632-1677) e Leibniz (1646-1716) representam “[...] os raciocínios dedutivos apoiados em princípios inatos evidentes por si mesmos e sustentados pela exatidão dos modelos matemáticos” (CORTELLA, 2000, p. 96). Bacon (1561-1626), Locke (1632-1704) e Hume (1711-1776) são os
[...] defensores da importância da percepção sensível e de que todo conhecimento provém da experiência, com ela deve ser provado, à cata de descoberta das leis estáveis da natureza (CORTELLA, 2000, p. 96).
O paradigma dominante finca suas bases aí: a partir das observações, propõem-se ou se deduzem ou se descobrem leis científicas. Se o ponto de partida desse paradigma é a observação, pergunta-se: podem-se deduzir leis das observações? Segundo Fourez (1995), a análise crítica demonstra que não se podem deduzir leis de observações, na medida em que a lei já está implícita na observação:
[...] cada vez que se pretende deduzir de uma observação a lei da alavanca, na verdade ela já estava implícita no próprio discurso da observação. Por exemplo, falando de ponto de apoio, de distância em relação ao ponto de apoio, equilíbrio, de centro de gravidade, já se aceitou implicitamente nesses termos teóricos o equivalente da lei da alavanca. Não se deduzirá portanto a lei da alavanca das observações, pois desde esse momento a lei já tinha sido injetado pelos termos teóricos utilizados (FOUREZ, 1995, 64).
Na verdade, essa visão de mundo traduzida na concepção de ciência encontrará em Comte seu maior desenvolvimento: “a filosofia positivista de Comte representa uma poderosa defesa da unidade de todas as ciências e da aceitação da abordagem científica na realidade social humana [...]” (SANTOS FILHO, 1997, p. 15).
Segundo esse paradigma positivista os objetos sociais devem ser tratados tal qual os objetos físicos nas ciências físicas, isto é, devem ser baseados na experiência dos sentidos[6]: “os objetos sociais, como os objetos físicos, têm uma existência independente do observador e do seu interesse” (SANTOS FILHO, 1997, p. 17).
Além disso, os positivistas defendem que a pesquisa social é uma atividade neutra, isto é, concentrada, apenas, no que “é”; e também, a objetividade, traduzida na capacidade do pesquisador de não se permitir influenciar nos processos de pesquisa. A neutralidade e a objetividade, segundo esse paradigma, asseguram a descoberta de regularidades ou leis sociais que permitem a explanação e a predição capazes de fundar as bases da intervenção na sociedade. Em síntese,
[...] aplicado à sociologia, à psicologia e à educação, o método científico das ciências naturais apresenta três características básicas: primeiro, defende o dualismo epistemológico, ou seja, a separação radical entre o sujeito e o objeto do conhecimento; segundo, vê a ciência social como neutra ou livre de valores; e terceiro, considera que o objetivo da ciência social é encontrar regularidades e relações entre os fenômenos sociais (SANTOS FILHO, 1997, p. 23).

Crise do Paradigma Dominante

Esse paradigma dominante apresenta sinais evidentes de rupturas epistemológicas, na expressão de Kuhn.
A partir do século XIX, na Alemanha, surge a primeira reação crítica ao paradigma positivista com Dilthey, Rickert, Weber e Husserl. E, mais recentemente, com os filósofos da Escola de Frankfurt (SANTOS FILHO, 1997).
Trata-se, agora, de reconhecer a limitação do método de investigação científica
Ver BOAVENTURA

Referências

CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. 5. ed. São Paulo: Ática, 1995.


CORTELLA, Mário Sérgio. A escola e o conhecimento: fundamentos epistemológicos e políticos. 3. ed. São Paulo: Cortez: Instituto Paulo Freire, 2000. (Coleção prospectiva; 5).
FOUREZ, Gérard. A construção das ciências: introdução à filosofia e à ética das ciências. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1995.
JAPIASSU, Hilton Ferreira. Introdução ao pensamento epistemológico. 7. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1992.
KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. 7. ed. São Paulo: Perspectiva, 2003.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Um discurso sobre as ciências. São Paulo: Cortez, 2003.
SANTOS FILHO, José Camilo dos. Pesquisa Quantitativa versus Pesquisa Qualitativa: o desafio paradigmático. In: SANTOS FILHO, José Camilo dos; GAMBOA, Sílvio Sánchez (org.). Pesquisa Educacional: quantidade-qualidade. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1997.



[1] Do grego, episteme significa ciência e logos, mais difícil de se traduzir, chamaremos de estudo, conhecimento. Assim, epistemologia se refere ao estudo ou conhecimento da ciência. Há um problema aí: o termo epistemologia do conhecimento não seria, pois, redundante? Não. Porque para os gregos a ciência se ocupava de toda e qualquer forma de conhecimento, mas o mundo moderno restringiu seu alcance, influenciado pelo incessante movimento da busca da razão iluminista. Assim, a ciência (moderna) não se ocupa, hoje, de qualquer conhecimento, mas do conhecimento científico.
[2] “[...] A Física de Aristóteles, o Almagesto de Ptolomeu, os Principia e mica de Lavoisier e a Geologia de Lyell – esses e muitos outros trabalhos serviram, por algum tempo, para definir implicitamente os problemas e métodos legítimos de um campo de pesquisa para as gerações posteriores praticantes da ciência” (KUHN, 2003, p. 30).
[3] “[...] Está consubstanciada, com crescente definição, na teoria heliocêntrica do movimento dos planetas de Copérnico, nas leis de Kepler sobre as órbitas dos planetas, nas leis de Galileu sobre a queda dos corpos, na grande síntese da ordem cósmica de Newton e finalmente na consciência filosófica que lhe conferem Bacon e, sobretudo, Descartes” (SANTOS, 2003, p. 22).
[4] A ciência antiga e a ciência moderna se diferenciam, basicamente, pelo fim a que se propõem: contemplativo ou de intervenção. A contemplação da natureza cede à idéia de intervenção para conhecimento, apropriação, controle e dominação. Agora, a ciência – inseparável da tecnologia – é “exercício do poderio humano sobre a natureza” (CHAUÍ, 1995, p. 255).
[5] Chauí (1995, p. 252, grifo nosso) afirma que a concepção racionalista assume que a ciência “é um conhecimento racional dedutivo e demonstrativo como a matemática, portanto, capaz de provar a verdade necessária e universal de seus enunciados e resultados, sem deixar qualquer dúvida”. E a empirista “afirma que a ciência é uma interpretação dos fatos baseada em observações e experimentos que permitem estabelecer induções e que, ao serem completadas, oferecem a definição do objeto, suas propriedades e suas leis de funcionamento”.
[6] “[…] essa posição é consistente com a idéia realista de que existe uma separação entre o cognoscente e o objeto conhecido” (SANTOS FILHO, 1997, p. 17).