quarta-feira, 6 de julho de 2011

O Logos em Parmênides.


Pois bem, eu te direi, e tu recebe a palavra que ouviste,
os únicos caminhos de inquérito que são a pensar:
o primeiro, que é e portanto que não é não ser,
de Persuasão é caminho (pois à verdade acompanha);
o outro, que não é e portanto que é preciso não ser,
este então, eu te digo, é atalho de todo incrível;
pois nem conhecerias o que não é (pois não é exeqüível),
nem o dirias... 

(Fr. 2) Proclo, Comentário ao Timeu, I, 345, 18.

Parmênides não irá tratar do logos especificamente. Contudo, a verdade recebe atenção.
São únicas as vias de investigação (“os únicos caminhos de inquérito”) e claramente assumidas como logicamente exclusivas: seguindo-se uma, não se consegue, conseqüentemente, seguir a outra. O caminho da verdade, afirma Hirschberger (1965, p. 47-50), o qual seguem Parmênides e a Filosofia, caracteriza-se por três afirmações. A primeira afirmação do caminho da verdade se refere ao pensamento abaixo,
(Fr. 6) Simplício, Física, 117, 2,
Necessário é o dizer e o pensar que (o) ente é; pois é ser,
e nada não é; isto eu te mando considerar.
Pois primeiro desta via de inquérito eu te afasto,
mas depois daquela outra, em que mortais que nada sabem
erram, duplas cabeças, pois o imediato em seus
peitos dirige errante pensamento; e são levados
como surdos e cegos, perplexas, indecisas massas,
para os quais ser e não ser é reputado o mesmo
e não o mesmo, e de tudo é reversível o caminho. (apud OS PRÉ-SOCRÁTICOS..., 1991, p. 80).
Hirschberger (1965, p. 47) afirma que os dois primeiros versos não são simples tautologias ou apenas o reconhecimento do princípio lógico da identidade, mas, “[...] antes e simplesmente uma polêmica contra a ontologia heráclitica do devir [...] que se move entre os contrários” (cf. p. 27, acima). Parmênides quer dizer: “não há nenhum devir, mas só o ser existe” (p. 48).
A segunda afirmação do caminho da verdade se refere ao pensamento:
(Fr. 3) Clemente de Alexandria, Tapeçarias, VI, 23,
... pois o mesmo é a pensar e portanto ser. (apud OS PRE-SOCRÁTICOS..., 1991, p. 80).
Para Kirk, Raven e Schofield (1994, p. 257), esta tradução mostra que “Parmênides faz considerações explícitas sobre o que pode ser objeto de pensamento, não exatamente o que se pode conhecer, no contexto de uma argumentação contra a via negativa”. Desse modo, o que não existe, Parmênides conclui que é incognoscível e, por isso, a via negativa é indiscernível, isto é, “nenhum pensamento claro é expresso por uma afirmação existencial negativa” (KIRK; RAVEN; SCHOFIELD, 1994, p. 256). A esse respeito, Hirschberger (1965) assinala que
essa afirmação exprime a teoria cognitiva realista do sadio entendimento humano, consoante ao qual o nosso pensamento é uma reprodução do mundo objetivo e, por aí, idêntico com o ser, de modo que ele espelha o objeto como, em regra, uma cópia reproduz o copiado. Não se trata aqui de um monismo; para tal é ainda muito cedo, mas de um dualismo; um dualismo tão pouco ainda contaminado de dúvida, que considera evidente a identificação entre o conteúdo do pensamento e o da realidade. (HIRSCHBERGER, 1965, p. 48).
Por fim, a terceira afirmação do caminho da verdade se refere ao pensamento “o um e o todo”, melhor expresso em um fragmento muito extenso, por isso, trabalharemos com porções dele, na medida em que forem necessárias. Assim, (Fr. 8) Simplício, Física, 114, 29; Idem, Ibidem, 38, 28: “[...] há um ser compacto, simultaneamente um e todo [...]” (apud HIRSCHBERGER, 1965, p. 49). Com isso, afirma Hirschberger (1965, p. 49),
Parmênides ensina, ao extremo, a unidade do cosmos. Não somente não há muitos mundos, mas o ser em geral é um único, universal e completamente homogêneo. Não podemos dividi-lo em vários e muitos, individual e substancial; também não se podem estabelecer diferenças de intensidade. Não é suscetível de alteração nem de movimento, não conhece nenhum devir e nenhum parecer. Permanece fixo diante de nós em eterno repouso, comparável à forma de uma esfera toda perfeitamente redonda, uniformemente circundada pelos seus limites.
No mesmo Fr. 8, Parmênides irá afirmar: “[...] como poderia o ser desaparecer, como poderia começar? Pois, se começasse, então não seria; e, do mesmo modo, se só no futuro devesse existir. Assim pois, o nascer desaparece e se evita o desaparecer [...]”. Essa suposta fundamentação da impossibilidade do devir é, para Hirschberger (1965, p. 49), prova de “[...] um pensamento arcaico, que não consegue dominar o sentido, incluído na idéia de ser, da possibilidade de um progresso e de um retrocesso [...]”. É pois, este problema do ser, que para ser, não pode começar e, portanto, “já é sempre será”, caso contrário cair-se-ia em uma contradição[1], que Aristóteles ao enfrentar criará a famosa distinção entre ato e potência (a ser estudada mais à frente, p. 27). Em síntese, Kirk, Raven e Schofield (1994, p. 262) afirmam que, para Parmênides, (1) é impossível para o que é, nascer ou morrer e (2) por isso, ele existe imutável nas cadeias de um limite[2].
Em Parmênides, assim como em Heráclito, há a distinção entre os conhecimentos sensível e racional que, segundo Hirschberger (1965, p. 50), orientará todo o racionalismo[3]. Comparando-se os dois, Parmênides e Heráclito, o primeiro traçou o caminho da verdade imutável e sempre idêntica consigo mesma, isto é, o pensamento abstrato:
[...] Com ele chegamos a um pólo repouso, no fluxo dos fenômenos. Mas Parmênides, não tendo percebido que todos os conceitos do pensamento abstrativo implicam um artificial estado de rigidez e esquematização de aspectos e realidades parciais possam existir fundamentalmente e essencialmente; e tendo considerado o seu mundo de conceitos como o mundo propriamente, e em si mesmo, transformou o mundo do logos no da realidade, chegando desse modo ao seu peculiar conceito de ser. (HIRSCHBERGER, 1965, p. 50).
Finalizada esta via, passemos agora, ao caminho da opinião. Hirschberger (1965, p. 51) assinala que mesmo tendo se conservado pouco desta parte do poema, é suficiente para se compreender que “a opinião vive, não do mundo racional, mas do sensível”. É aqui que Parmênides situa o devir e a multiplicidade cósmica que, para ele, a sensibilidade é enganosa e imaginária. Fraile (1956, p. 150) acrescenta que o caminho da opinião de Parmênides apresenta elementos tomados dos jônicos e dos pitagóricos[4].


[1] “[...] O ser não pode começar, porque ser, na seqüência deste pensamento, significa: já é sempre e sempre será. Se o ser pudesse começar ou deixar de existir, então, segundo esta concepção, seria o mesmo que negá-lo; no que incorre quem dessa maneira se exprime, caindo por isso em contradição consigo mesmo” (HIRSCHBERGER, 1965, p. 49).
[2] “[...] obscura é a noção de limite que Parmênides aqui emprega. O mais fácil é entendê-la como um limite espacial [...]” (KIRK; RAVEN; SCHOFIELD, 1994, p. 262).
[3] “Esta distinção entre conhecimento sensível e racional se fixará em todo o decurso da História da Filosofia. Todo racionalismo, especialmente, trilhará sempre o caminho do pensamento de Parmênides” (HIRSCHBERGER, 1965, p. 50, grifo nosso).
[4] Fraile (1956, p. 150, tradução nossa) afirma que a segunda parte do poema descreve uma Física composta por esses elementos que será notada por Aristóteles já que Parmênides negou a realidade dos seres particulares e do movimento. Contudo, “[...] em Parmênides não há contradição, pois esta segunda parte deve ser entendida no sentido de uma caricatura burlesca [cômica] da Física de seus contemporâneos”. 

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